Garry Kasparov: "Há empresas da Europa e EUA a contornarem as sanções à Rússia"

Putin chegou ao poder quando a Rússia vivia sob frágeis instituições democráticas. Este fator e as estruturas ainda presentes da época soviética explicam como se consolidou e neutralizou a oposição, diz Kasparov
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O ex-campeão de xadrez, que esteve nas Conferências do Estoril, é hoje dos adversários mais críticos do dirigente do Kremlin.

Como define a presente situação política na Rússia?

Vai de mal a pior. E não é um problema só russo. É o que sucede, em geral, com as ditaduras. O que deve ser dito é que a situação só pode piorar enquanto Vladimir Putin permanecer no poder. O seu único objetivo é esse e para justificar essa permanência no poder, vai precisar de mais conflitos. Sentir-se-á tentado a atitudes cada vez mais agressivas para manter o apoio que tem hoje na Rússia e para consolidar a imagem de indivíduo forte e determinado.

A União Europeia e EUA aplicaram sanções ao regime devido ao sucedido na Ucrânia. Terão sido suficientes para travar a agressão no Leste da Ucrânia, ou devia ter sido feito algo mais forte?

Ao falarmos de sanções, devemos ter presente as suas muitas modalidades. As que foram aplicadas são relativamente suaves para Putin e as pessoas próximas dele. O problema central não é a dimensão das sanções em vigor, mas o facto é que Putin não acredita que as sanções irão permanecer em vigor por muito tempo. A propaganda do Kremlin tem conseguido convencer as elites e a classe média que os países ocidentais são demasiado fracos, indecisos pelo menos, para manterem uma política de sanções. Assim, a maioria das pessoas espera que as sanções acabem por desaparecer e os seus efeitos se vão diluindo.

Isso mesmo que permaneça ativo o conflito no Leste da Ucrânia?

Esse é o problema dos países ocidentais. Nem a Europa nem os EUA conseguiram comunicar essa determinação, se existe. Essa mensagem devia ter sido passada de forma clara desde o primeiro dia do conflito. Ou seja, enquanto houver tropas russas a ocuparem território ucraniano, as sanções nunca serão levantadas. O que não aconteceu. Os dirigentes ocidentais disseram muitas coisas, mas não tornaram claro o que iam fazer perante esta agressão. Disseram, sim, o que não iam fazer, como não colocar forças militares na Ucrânia. Se não iam fazer isso, porquê dizê-lo?

Referiu na sua intervenção dois casos de empresas ocidentais que estão sob investigação por terem contornado as sanções. A ser verdade, transmite uma impressão errada a Moscovo, a de cumplicidade, pelo menos, a certo nível...

Sim, referi a americana Cisco e o Deutsche Bank. Estão a ser investigados, a Cisco por ter vendido equipamento informático que teria acabado nas mãos do FSB [serviços secretos russos], e o banco alemão por estar, possivelmente através da sua filial em Moscovo, a proceder à lavagem de dinheiro russo. Mas esta é uma prática corrente e há outras empresas na Europa e nos EUA a atuarem de uma forma interdita pelas sanções. O que transmite uma mensagem muito relevante para Putin: o que quer que Barack Obama ou Angela Merkel digam, no fim estão disponíveis para prosseguirem com os negócios. As suas palavras passam a ser vistas como declarações de intenção sem grande valor. Putin tem de ser convencido de que a Europa e a América estão determinadas a repor a situação da Crimeia, a manter as fronteiras da Ucrânia, a defender o Báltico e a fazer com que a Rússia cumpra os tratados assinados. Até hoje, Putin não tem razões para acreditar na determinação ocidental.

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